Ministério Público quer impedir a exclusão de herdeiros do programa Minha Casa Minha Vida


O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública para impedir que a União e a Caixa Econômica Federal excluam do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)-Faixa 1 moradores de baixa renda que venham a receber cotas de herança. A modalidade Faixa 1 é destinada a pessoas que recebem até R$ 1.800 mensais.
Em julho deste ano, uma beneficiária do programa, de 56 anos de idade, que reside com seu filho em imóvel financiado pelo Minha Casa Minha Vida, representou ao MPF noticiando ter sido surpreendida por uma rescisão contratual unilateral: sem qualquer aviso prévio, a Caixa comunicou-lhe que sua residência seria destinada a outra família, porque ela teria incidido no descumprimento de cláusula contratual por desvio de finalidade.
Residindo no imóvel desde outubro de 2010, quando assinou o contrato de adesão ao programa, a moradora descobriu que o suposto descumprimento decorreu do fato de ter recebido uma quota/parte de herança deixada por seus pais. Ela contou que, em 1988, seu pai faleceu deixando o imóvel da família para a esposa e as seis filhas. Em 2015, sua mãe também faleceu, quando, então, as seis filhas receberam em herança o imóvel.
O MPF pediu explicações à Caixa Econômica Federal, que, por sua vez, buscou informações junto ao Ministério das Cidades (atual Ministério do Desenvolvimento Regional). Em 27 de julho, o MDR informou que a propriedade de outro imóvel, mesmo fracionada, impede a participação no programa.
“É importante destacar que o Ministério do Desenvolvimento Regional não se deu ao trabalho de apontar a base legal para esse entendimento, o que é, na verdade, até compreensível, já que não existe qualquer proibição expressa nesse sentido em nenhum decreto, legislação e manuais disponíveis no portal do MDR ou em qualquer outro lugar”, afirma o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação.
Segundo ele, tal posicionamento parece estar embasado em um anexo da Portaria nº 412/2015, do Ministério das Cidades, segundo a qual o beneficiário do PMCMV não pode “ser proprietário, cessionário, promitente comprador de imóvel residencial ou titular de financiamento habitacional ativo em qualquer parte do país”. Mas a questão é que não há nenhuma menção, sequer nesta portaria, de que a fração de imóvel recebido em herança/partilha torna ilegal a propriedade do imóvel adquirido de boa fé – e anteriormente a esse recebimento – pelo beneficiário do programa.
“Todo cidadão está sujeito a diversas mudanças fáticas ao longo da vida, que podem alterar a situação que havia no momento da assinatura do contrato, sem que isso signifique violação às cláusulas contratuais. E o agravante é que, se não está em qualquer lei ou regulamento, a Caixa afrontou o princípio constitucional da legalidade”, explica o procurador da República.
Retrocesso
O Programa Minha Casa Minha Vida tem por finalidade diminuir o déficit habitacional brasileiro, que aflige em especial a população de baixa renda.
Segundo informações disponibilizadas no Encontro Brasileiro de Administração Pública realizado em 2017, o PMCMV é a maior iniciativa para enfrentamento dos problemas habitacionais no país. Em sete anos, foram atendidas 10,5 milhões de pessoas. O caráter social do programa é tão latente, que uma das contrapartidas dos municípios que recebem o programa é a disponibilização de infraestrutura e equipamentos públicos na área do empreendimento, resultando em melhores condições de vida também para a população do entorno.
“Infelizmente, porém, percebe-se um retrocesso na execução do programa, na medida em que o Estado, com posições arbitrárias, retira dos que mais precisam um direito exercido de forma absolutamente regular. No caso que motivou a ação, trata-se de uma pessoa com renda familiar mensal de até R$ 1.800, que recebeu uma cota de herança que pouco irá alterar sua situação econômica e que exerceu de forma absolutamente regular seu direito à inscrição no programa. Pode-se até defender que o contrato seja revisto em casos de recebimento de herança vultosa, mas esta definitivamente não é a situação da beneficiária que procurou o MPF”, afirma Cléber Neves.
Insegurança jurídica
Preocupado com a possibilidade de que a ilegalidade praticada pelas rés, como norma geral criada sem fundamento legal, atinja um elevado número de benefíciários que se vejam na mesma situação da representante, gerando insegurança jurídica e danos consideráveis a inúmeras famílias, o MPF pediu que a Justiça Federal reconheça e declare a ilegalidade do item 2.1.1, letra “b”, do Anexo da Portaria nº 412/2015, do Ministério das Cidades.
A ação também pediu que União e Caixa Econômica Federal sejam impedidas de adotar qualquer medida para a retomada de imóveis adquiridos por beneficiários do PMCMV que eventualmente sejam titulares de direito de herança, desde que essa titularidade não seja exclusiva e a renda familiar não ultrapasse o valor de R$ 4.650, conforme definido no inciso I do art. 3 º da Lei 11.977/2009. E, mesmo nesses casos, tal retomada só poderá ocorrer após o devido processo legal, em que se dê oportunidade às partes para se defenderem. Da mesma forma, pede-se que as rés sejam proibidas de impedir a participação, na Faixa 1 do programa, de cidadãos que não sejam titulares exclusivos do direito de herança.
(ACP nº 1012410-81.2019.4.01.3803-PJe)
MPF