Oficina de bonecas resgata o passado e valoriza a diversidade cultural


Encontro acontece uma vez por semana na Oficina Cultural (Imagem: Cleiton Borges – Secom/PMU)

Com pouca comida e água, os dois meses em alto mar pareciam uma eternidade. A viagem era longa, cansativa e a temperatura chegava a 55 graus na seção inferior da embarcação. E enquanto as ondas batiam com força no casco do navio negreiro, mães africanas usavam pedaços de suas vestes para criar. Entre um nó, uma trança e uma amarração, davam vida a pequenas bonecas coloridas e presenteavam os filhos que temiam o inesperado com um pouco de esperança. O brinquedo também servia como um amuleto de proteção e era chamado de abayomi, que significa ‘encontro preciso’ no idioma yorubá.

Durante algum tempo foi apenas passatempo. Mas com o passar dos anos, virou símbolo de resistência, tradição e poder da mulher negra. Por ser ainda um instrumento de resgate histórico e permitir o contato permanente com as raízes do nosso povo, as abayomi são tema de um curso oferecido em Uberlândia pela Secretaria Municipal de Cultura.

Laços de tecido e de afeto

Desde o início do mês, alunas estão imersas no universo das bonecas. Assim como as escravas faziam no passado, descobrem como enlaçar os tecidos e como encarar o mundo de um jeito mais confiante. São aulas teóricas e práticas, recheadas de contos, lendas e uma dose extra de sabedoria.

Rafaella Buso Santos, de 23 anos, é estudante do último ano de pedagogia e ao saber da oficina pela internet, não pensou duas vezes em fazer a inscrição. “Quero aprender a fazer as bonecas para poder ensinar e presentear as crianças que vou trabalhar. A história da abayomi é cheia de significados e mostra muito do nosso passado, não podemos deixar cair no esquecimento”, afirma.

E a estudante gostou tanto do projeto que convidou a mãe, Débora Buso Santos, para participar das aulas na Oficina Cultural da cidade. As duas sentam lado a lado para entender como confeccionar as bonecas e, sem querer, ficam ainda mais conectadas uma a outra. Só que o vínculo não é resumido à dupla: se estende. “Nunca tinha ouvido falar da abayomi e fiquei encantada. Quero fazer uma para cada pessoa da minha família e contar toda a história por trás das bonecas”, conta a dona de casa, que além de querer reproduzir tudo o que aprendeu, fez várias amizades na sala de confecção.

Uma das amigas é Romilda de Souza, de 68 anos. Durante uma visita à Oficina Cultural, descobriu uma maneira de sair um pouco da rotina com a história desses brinquedos de pano. “Tenho duas netinhas e elas gostam muito de bonecas. Estou aprendendo para presenteá-las e poder contar algumas historinhas. Quero fazer outras também para entregar para crianças que não têm condições de comprar nenhum brinquedo”, explica a aposentada.

Uma outra versão

Após fazer um curso sobre as abayomis e torná-las objeto de estudo, a ministrante da oficina, Flávia Fonseca, decidiu trazer a Uberlândia um módulo especial. Ela destaca a importância de se saber um outro lado da história do Brasil que nem sempre é contado nas escolas. “É uma parte do nosso passado que precisa ser discutida e repassada. No curso, primeiro eu apresento toda a história por trás das bonecas, da escravização, e só depois disso começamos a confeccioná-las de fato. É uma maneira gostosa e lúdica de se discutir um passado tão pesado. No processo de criação, as pessoas têm a oportunidade de ampliar a mente e poder conversar sobre tudo o que envolve a boneca”, conta. O curso de bonecas abayomi vai até dia 12 de abril.

Prefeitura de Uberlândia