MPF entra com ação para obrigar hospital em Uberlândia a reduzir ruídos que atormentam os pacientes


O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública para a obtenção de ordem judicial que obrigue a União, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) a realizarem, no prazo máximo de 60 dias, os serviços de engenharia e arquitetura necessários para fazer cessar todo e qualquer ruído em setores vitais do Hospital das Clínicas da UFU, em especial no andar onde funciona a Enfermaria Cirúrgica II.

Em agosto de 2017, chegou ao conhecimento do MPF relatos sobre as dificuldades enfrentadas por cerca de 40 pacientes, na maioria oncológicos, que, após passarem por tratamentos de quimioterapia e radioterapia, submetem-se a procedimentos cirúrgicos complexos, sendo posteriormente alocados em quartos atingidos por constantes ruídos, comparados ao de uma turbina de avião.

Instada a prestar esclarecimentos, a diretoria técnica do HC-UFU informou que o barulho era provocado pelas torres de resfriamento da central de água gelada, que é utilizada na climatização de alguns setores do hospital, como o Centro Cirúrgico e a UTI Pediátrica.

Para apurar a real dimensão do ruído, o MPF oficiou então à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico de Uberlândia pedindo a realização de medição dos sons e ruídos emitidos por tais torres. O resultado da vistoria apontou que a quantidade de decibéis, com as janelas abertas, variava entre 68 e 70 decibéis (dB), e, com as janelas fechadas, entre 55 e 58 dB.

Em julho de 2018, quase um ano depois do primeiro contato, a Diretoria Técnica do HC/UFU, respondendo a novo questionamento do MPF, informou que haviam sido feitas melhorias nos equipamentos para a diminuição de ruído, as quais resultaram na redução dos valores de pressão sonora, mas reconheceu que ainda estavam longe do ideal para um ambiente hospitalar.

Na mesma ocasião, o HC/UFU informou que a solução viria com a instalação de um anteparo de alvenaria, com angulações específicas, para dissipar as ondas sonoras provenientes das fontes geradoras.

Em dezembro de 2018, um Mapeamento do Nível de Ruído, realizado pela pela Faculdade de Engenharia Mecânica (FEMEC) nas proximidades das Torres de Resfriamento do HC, indicou que a média dos níveis de ruídos medidos no interior dos quartos que acomodam os leitos foi até maior do que a aferição feita pela equipe da Secretaria de Meio Ambiente.

“Ou seja, apesar do paliativo executado pela direção do hospital, o ruído ainda excedia os limites permitidos pela lei para o período noturno, estando bem próximo do limite para o período vespertino. Os níveis de 74,9 decibéis até poderiam ser reduzidos em cerca de 10 decibéis com o fechamento das janelas, mas isso prejudicaria a ventilação dos quartos, principalmente em dias com temperaturas elevadas”, explica o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação.

Ele diz que “a solução apontada pelos especialistas da Faculdade de Engenharia Mecânica foi a necessidade de readequação do local de instalação das torres de resfriamento, única forma de se obter a devida mitigação sonora no interior dos quartos dos pacientes”.

Em março de 2019, após ser novamente questionada pelo MPF, a Diretoria do HC/UFU informou que estavam sendo preparadas três soluções diferentes por meio de uma simulação computacional do Laboratório de Vibrações e Acústica da FEMEC.

Oito meses depois, em novembro daquele ano, a Diretoria informou que os materiais e serviços necessários para a implantação da solução arquitetônica estavam sendo orçados.

No entanto, transcorridos mais sete meses, em junho de 2020, o HC-UFU informou que desistira de implementar uma solução para o problema do ruído excessivo, pois não tinha o dinheiro necessário (em torno de R$ 50 mil) para executar o projeto.

Riscos graves – O MPF alerta para os riscos da exposição a ruídos excessivos a que estão sendo submetidos pacientes do HC-UFU e os próprios profissionais de saúde que os atendem.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a exposição permanente a mais de 50 decibéis aumenta os riscos de doenças cardiovasculares, como derrame, infarto e hipertensão. Estudos sobre a extensão dos males causados pela poluição sonora considera-a como um “mal invisível”, que prejudica o funcionamento de todo o organismo, assim como o equilíbrio físico e mental.

A questão é tão grave, que a OMS classificou a poluição sonora entre os maiores causadores de doenças, atrás apenas da poluição do ar. Entre os problemas causados por exposição a ruídos excessivos, estão distúrbios do sono, aumento do estresse, perda de capacidade auditiva, falta de concentração, dores de cabeça e pressão alta.

“Só quem enfrenta um câncer ou acompanha um doente no tratamento contra essa doença entende a dimensão da tortura a que essas pessoas estão sendo submetidas. Nenhuma das fases do tratamento é fácil, mas era de se esperar, ao menos no ambiente hospitalar, que os pacientes fossem acolhidos e protegidos. Ao invés disso, ficam expostos diária e permanentemente a barulhos semelhantes aos de uma turbina de avião. Ou seja, a um barulho simplesmente insuportável”, indigna-se Cléber Neves.

Limites legais – A ação destaca que o conceito de ruído como agente poluente está previsto na Lei 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Regulamentações posteriores estabeleceram níveis de ruídos aceitáveis para conforto acústico, estabelecendo que em ambientes hospitalares, como enfermarias e centros cirúrgicos, esse limite será de cerca de 35-45 dB, sendo o nível menor correspondente ao nível sonoro para o conforto e o maior, o aceitável.

De acordo com o MPF, percebe-se, portanto, que o nível de ruído aceitável “está muito, mas muito distante da conclusão a que chegou o relatório técnico produzido pelo Laboratório de Acústica e Vibrações da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFU.

Em novembro de 2018, os níveis de ruído medidos nas proximidades das torres de resfriamento atingiram níveis de 87 dB, enquanto que próximo das paredes do prédio, o ruído atingiu valores em torno de 82 dB. No interior dos quartos dos pacientes, os níveis medidos chegaram a 74,9 decibéis. “E mesmo que se fechassem as janelas, o que reduziria o valor para cerca de 65 decibéis, percebe-se que todos os quartos ainda estariam expostos a ruídos quase duas vezes o valor máximo estabelecido por lei”, lembra o procurador da República.

Inércia – Para o MPF, “Não resta dúvida que, ao executar atividade causadora de ruído em desacordo com os padrões normativos, a Direção do HC/UFU se torna um poluidor direto. Além disso, também chama atenção a falta de estudo de impacto ambiental, que deveria ter detectado a impossibilidade da instalação das torres de resfriamento próximas a uma Enfermaria, além da recusa em solucionar o problema por meio da comumente alegada falta de recursos”.

Lembrando que a UFU recebe diretamente do Ministério da Saúde, por mês, a quantia de R$ 4,3 milhões como verba pós-fixada e R$ 6 milhões como verba pré-fixada, ou seja, recebe anualmente mais de R$ 124 milhões, o Ministério Público Federal considera inaceitável a omissão do HC/UFU para resolver um problema que custaria apenas R$ 50 mil reais.

“A inércia da direção do hospital, justificada pela suposta falta de recursos, é inaceitável, e, sob todos os ângulos, vem causando ao longo de todos esses anos danos aos pacientes, a seus acompanhantes e aos profissionais de saúde. Por isso, além de pedir que a Justiça Federal obrigue as rés a realizarem as obras para interromper os ruídos, pedimos que também seja determinado o bloqueio dos valores necessários para a execução dos serviços”.

A ação ainda pediu a condenação das rés na obrigação de indenizar o dano moral coletivo e o dano ambiental.

Ministério Público