ANTONIO AUGUSTO/STF
Ministros consideraram que caso pode ser julgado pelo colegiado da Corte; “núcleo crucial” reúne ex-presidente, ex-ministros e ex-chefes das Forças Armadas
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se tornou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (26) por tentativa de golpe de Estado. Agora, ele e mais sete aliados responderão a um processo judicial, o que pode levar às condenações e prisões.
Os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia consideraram que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) tem fundamentos válidos para justificar uma ação penal.
Dessa forma, Bolsonaro e seus aliados serão julgados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.
Além de Bolsonaro, tornaram-se réus os seguintes envolvidos: o deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; o ex-ajudante de ordens Mauro Cid; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira; e o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Braga Netto.
Agora, o processo entra na fase de instrução processual, quando são colhidas mais provas e depoimentos de testemunhas e acusados. A expectativa é que o julgamento seja finalizado ainda sob a presidência de Luís Roberto Barroso à frente da Corte, no primeiro semestre.
O que aconteceu até aqui
Nesta quarta, os ministros do STF consideraram que a denúncia da PGR é válida. Em seu voto, o relator Alexandre de Moraes disse haver todos pré-requisitos para o recebimento, como elementos que comprovem o cometimento dos crimes. Para Moraes, a peça apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, cumpre todas as premissas para a aceitação da denúncia.
“A PGR descreveu satisfatoriamente os fatos típicos e atos ilícitos com todas suas circunstâncias, dando aos acusados todos os motivos e razões pelas quais foram denunciados. Isso é absolutamente essencial neste momento para que os acusados saibam os fatos que são denunciados e possam fazer suas defesas”, disse o ministro.
Antes de exibir os vídeos da insurreição bolsonarista em 8 de janeiro de 2023, Moraes reafirmou que não era um “domingo no parque” e disse que ninguém foi até a Praça dos Três Poderes para “passar batonzinho na estátua” – em referência à manifestante radicalizada Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a estátua “A Justiça” naquela data.
Sobre Jair Bolsonaro, Moraes disse que o ex-presidente difundiu notícias fraudulentas sobre as urnas eletrônicas desde 2021, a partir da iniciação do “gabinete do ódio”. Bolsonaro, seguiu Moraes em seu voto, também planejou ataques coordenados contra a lisura do Supremo Tribunal Federal, fazendo várias declarações que tentavam minar a confiança na Justiça.
Em sua fala, Dino rebateu a tese das defesas de que não houve organização criminosa armada no 8 de Janeiro. “Pouco importa se a pessoa tinha ou não uma arma de fogo ou uma arma branca. O que importa para fins de debate da classificação jurídica é que o grupo era armado. O grupo portava armas de fogo, armas brancas e assim sucessivamente”, disse.
Para o ministro, o argumento de que “não morreu ninguém” na manifestação golpista não diminui a gravidade dos fatos, já que em 1º de abril de 1964, data do golpe militar, também não morreu ninguém.
“No dia 1º de abril de 64 também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”, afirmou Dino.
O voto que levou à maioria foi do ministro Luiz Fux. Ele fez críticas ao tipo de crime chamado de tentativa de golpe de Estado. Alegou falta da apresentação de critérios de atos preparatórios para ação, mas destacou que o caso seria analisado na fase de instrução processual penal.
Já a ministra Cármen Lúcia considerou que a PGR apresentou indícios de materialidade suficientes do cometimento dos crimes por Bolsonaro e seus aliados. A ministra lembrou que se houvesse o golpe, não seria possível o Supremo julgar o caso.
Para a decana, houve ação ativa dos acusados para fazer com que as pessoas desacreditassem das instituições e do processo eleitoral brasileiro. Segundo a ministra, esse foi o pavimento para a articulação do golpe de Estado.
A ministra fez coro à fala do ministro Flávio Dino, ao dizer que a ditadura mata. “Ditadura vive da morte, não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos de carne e osso que são torturados, mutilados, assassinados toda vez que contrariarem o interesse daquele que detém o poder para o seu próprio interesse”, disse Cármen Lúcia.
O presidente da Primeira Turma, o ministro Cristiano Zanin acompanhou na íntegra o voto do relator Alexandre de Moraes. Dessa forma, o colegiado decidiu de forma unânime o recebimento da denúncia.
O que aconteceu na terça (25)
Nas duas primeiras sessões da Primeira Turma, na terça (25), as defesas dos agora réus tentaram derrubar a delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. O argumento central utilizado foi que o tenente-coronel foi coagido a mentir para prejudicar os outros investigados.
O ministro Moraes negou qualquer tipo de intimidação e disse que as “milícias digitais” atuam para minar a confiança na Justiça.
Dessa forma, os ministros decidiram rejeitar o pedido de anulação da delação. A rejeição foi unânime.
Durante a análise de questões preliminares que foram suscitadas pelas defesas de oito dos 34 denunciados pela PGR, entre elas o pedido de anulação da colaboração, Moraes disse que os advogados tiveram amplo acesso ao conteúdo.
As defesas argumentaram que a análise das denúncias da PGR sobre a trama golpista estaria viciada e que houve indícios de cerceamento de defesa e “pesca probatória”.
O relator Moraes disse que o devido processo legal tem sido respeitado, as provas estão disponíveis às defesas, a documentação apresentada é a que faz parte do processo e que o fato de uma investigação acabar levando a achados que desencadearam novas investigações não é pesca probatória. Ele foi acompanhado pelos demais ministros.
O único ponto de divergência dos ministros foi o voto de Luiz Fux para que o caso fosse analisado pelo Plenário do STF. Ele considerou que a Primeira Turma não é competente para analisar a denúncia contra Bolsonaro e seus aliados.
Fux definiu que, pela gravidade e importância do caso, o pleno deveria apreciar a matéria, tendo os 11 ministros participando do julgamento.
Antes, a defesa de Jair Bolsonaro já havia argumentado que o Plenário deveria julgar o mérito. O advogado Celso Vilardi afirmou ser impossível que o seu cliente tenha planejado um golpe de Estado contra o governo legitimamente eleito, já que o governo em vigência durante a trama golpista era justamente o do ex-presidente.
Na denúncia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que houve “planos articulados para manter Bolsonaro no poder a todo custo”. Na leitura do seu relatório, o PGR descreveu a conduta do ex-presidente, ex-ministros e militares de alta patente na tentativa de golpe de Estado.
“A denúncia retrata acontecimentos protagonizados pelo agora ex-presidente da República Jair Bolsonaro, que formou com outros civis e militares organização criminosa que tinha por objetivo gerar ações que garantissem a sua continuidade no poder, independentemente do resultado das eleições de 2022”, disse Gonet.
Sobre o plano Punhal Verde e Amarelo, que pretendia a morte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes, Gonet chamou a operação de “aterradora” e episódio “assombroso”.
“A execução de atos de essência golpista criminosa também se estampa em outro conjunto de episódios assombrosos desvendados no inquérito policial. As investigações revelaram aterradora operação de execução do golpe, em que se admitia até mesmo a morte do presidente da República e do vice-presidente da República eleitos, bem como de ministro do Supremo Tribunal”, disse.
Reprodução SBT News